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Democracia e Paz: Portugal 2019

Há poucos dias celebrou-se o Dia Mundial da Paz. Para esse dia, o Papa Francisco difundiu uma mensagem em que a palavra «política» assume especial relevo nos subtítulos; com efeito, ela aparece repetida por quatro vezes. A política diz respeito ao governo dos homens e, de modo particular, à organização dos estados, que devem buscar o bem comum dos governados.

Daí o grande «desafio da boa política» na construção «de um futuro digno e justo», «se for implementada no respeito fundamental pela vida, a liberdade e a dignidade das pessoas», como diz o Santo Padre. Quando assim é, a boa política encoraja a participação dos jovens, do seu talento, favorecendo «a possibilidade de trabalharmos juntos para o bem comum»: cada um de nós é chamado a colaborar «com a sua própria pedra para a construção da casa comum», alicerçada no direito e no diálogo autênticos com o outro.

Deste modo se renova a esperança, a convicção de que «cada mulher, cada homem e cada geração encerram em si uma promessa que pode irradiar novas energias relacionais, intelectuais, culturais e espirituais», o que nem sempre é fácil no contexto das relações humanas. E é no contexto desta interdependência das relações humanas, com responsabilidades mútuas, que se afirma a Paz, o principal objectivo de um grande projecto político, ao serviço da humanidade.

Ora no centro de qualquer sistema político democrático está o acto eleitoral, secreto, livre e universal, mediante o qual se elegem os representantes dos cidadãos para os órgãos electivos. E isso implica necessariamente a renovação periódica de mandatos, o que pode trazer naturalmente a alternância de pessoas e de políticas públicas, consubstanciadas nos diferentes partidos políticos.

E é nestes momentos que os cidadãos são chamados a intervir, através do voto, depois de ponderadas as diversas alternativas: «cada renovação nos cargos electivos, cada período eleitoral, cada etapa da vida pública constitui uma oportunidade para voltar à fonte e às referências que inspiram a justiça e o direito.

De uma coisa temos a certeza: a boa política está ao serviço da paz, respeita e promove os direitos humanos fundamentais, que são igualmente deveres recíprocos, para que se teça um vínculo de confiança e gratidão entre as gerações do presente e as futuras», escreve o Papa Francisco na sua mensagem para o Dia Mundial da Paz.

Este enquadramento conduz-nos ao caso português. Com efeito, Portugal, em 2019, vai viver três actos eleitorais: a eleição dos nossos representantes no Parlamento Europeu (no mês de Maio) e na Assembleia da República Portuguesa (no mês de Outubro); a par destes dois actos, também terá lugar a eleição para os parlamentos regionais dos Açores e da Madeira (no mês de Setembro).

Por isso, é tempo de cada cidadão, cada um de nós, em concreto, se mobilizar para uma participação activa nestes actos: «tomar a sério a política, nos seus diversos níveis – local, regional, nacional e mundial – é afirmar o dever do homem, de todos os homens, de reconhecerem a realidade concreta e o valor da liberdade de escolha que lhes é proporcionada para procurarem realizar juntos o bem da cidade. Da nação e da humanidade», escreveu o Papa Paulo VI citado pelo Papa Francisco.

A ida às urnas é um dever e uma responsabilidade de cada um de nós. Tem mais força um voto em branco que uma ausência, conhecida por abstenção, pois aquele manifesta a vontade deliberada dos cidadãos em concreto que que assim recusam a totalidade das propostas de escolha que lhe são feitas naquele momento.

E vem a propósito recordar aqui as palavras certeiras do nosso Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa que, na sua mensagem de Ano Novo, dizia: «Votem. Não se demitam de um direito que é vosso, dando mais poder a outros do que aquele que devem ter. Pensem em vós, mas também nos vossos filhos e netos, olhem para amanhã e depois de amanhã e não só para hoje».

Com efeito, só desta maneira se podem combater «os vícios da política», como escreve o Papa Francisco. Esses vícios, escreve ele, «enfraquecem o ideal de uma vida democrática autêntica, são a vergonha da vida pública e colocam em perigo a paz social».

E, de seguida, enumera-os: «a corrupção – nas suas múltiplas formas de apropriação indevida dos bens públicos ou de instrumentalização das pessoas –, a negação do direito, a falta de respeito pelas regras comunitárias, o enriquecimento ilegal, a injustificação do poder pela força ou com o pretexto arbitrário da «razão de Estado», a tendência a perpetuar-se no poder, a xenofobia e o racismo, a recusa a cuidar da Terra, a exploração ilimitada dos recursos naturais em razão do lucro imediato, o desprezo daqueles que foram forçados ao exílio».

E nesta sequência, denovo as palavras de Marcelo Rebelo de Sousa: «Podemos e devemos ter a ambição de dar mais credibilidade, mais transparência, mais verdade às nossas instituições políticas. Para que a confiança tenha razões acrescidas para se afirmar».Na verdade, continua o Presidente da República Portuguesa, «não há ditadura, mesmo a mais sedutora, que substitua a democracia, mesmo a mais imperfeita».

Bem actuais estas palavras num momento em que se vivem ondas de populismo no ocidente democrático e que têm abalado os fundamentos do seu sistema político. A resposta a esta questão também sabiamente a encontramos na mensagem de Ano Novo do nosso Presidente: «Nós sabemos que a resposta a estes tempos muito difíceis só pode ser uma – valores, princípios e saber aprendido com quase nove séculos de História».


Autor: António Maria Martins Melo
DM

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5 janeiro 2019