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O abraço que transforma e nos faz renascer

No convívio de Natal em que hoje participarei, juntamente com os trabalhadores e colaboradores do 'Diário do Minho', queria poder dizer a todos os que nele trabalham, com ele colaboram e aos leitores que o lêem, aquilo que o sacerdote escritor Pablo D'Ors diz em texto recente: «permite que te abrace».

Olhando para a maneira tantas vezes fria e quase mágica como se celebra o sacramento da reconciliação, em vez de fazer dele «um encontro entre duas pessoas diante de Deus», o escritor afirma que, para ter ele mesmo um olhar luminoso sobre os outros, precisou de ver e sentir antes como Deus iluminava o seu entendimento, como insuflava força na sua fraca vontade e como transformava a sua forma de olhar. Assim, «mais do que para a beleza ou fealdade moral, olho hoje os meus semelhantes benévola e desinteressadamente.

Nada quero deles para mim, mas sim que haja algo de mim que os possa ajudar a eles. Quero suave e decididamente o seu bem, e contribuir quanto me seja possível para que esse bem nasça ou se desenvolva. Sinto que todos sem excepção são uma versão de mim: em feminino, em criança, em idoso, no melhor ou no pior. 'Permite que te abrace' quero dizer a todo aquele que encontro».

É realmente assombroso que algo tão simples como um abraço sinceramente oferecido possa condensar tudo. «Os desejos humanos deixam de ser vorazes e imperiosos se aprendemos a olhá-los como os olham as crianças: com ironia, com indulgência, com a distância da experiência... Nada do que experimentamos é intrinsecamente mau ou reprovável: é só uma chamada a uma harmonia maior. Se não nos zangarmos com os nossos desejos, sejam eles quais forem, eles perdem a sua virulência. E vistos assim, os desejos – qualquer desejo, mesmo os teoricamente mais escandalosos – são tão compreensíveis e belos! À humanidade de Jesus só podemos aceder a partir da nossa humanidade. Os meus sonhos não são importantes em comparação com o sonho que eu sou para Ele. Será possível amar a vida sem compreender até que ponto é um bem efémero e frágil?».

Natal é este doce e empolgante desafio de olharmos com seriedade e confiança para as nossas fragilidades, pois Aquele que se fez um de nós assumiu a nossa condição em toda a sua riqueza e pobreza, virtudes e defeitos, dizendo-nos quão importantes nós somos para Ele. Talvez comecemos a compreender por que é que o dinheiro e os prazeres não dão felicidade. Talvez nos dêmos conta de que os valores e capacidades pessoais, que se atingem com persistência e esforço, aumentam a felicidade. Dar-nos-emos conta de que a felicidade não é o oposto do sofrimento e do esforço. Pelo contrário, estes elementos são indispensáveis para a alcançar. 'O altruísmo, o doar-se aos outros é a fonte mais importante da felicidade. Quanto menos procurarmos a felicidade para nós e mais a procurarmos para os outros, mais a teremos'. (Iñaqui Guerrero, Como ser livre,p. 21)

Este escritor e psicólogo diz-nos que as conclusões da psicologia científica apontam para umas normas de conduta que garantem a felicidade, porque, no fundo, são expressão do que Jesus nos propõe com a sua 'Arte de amar': Amar a todos, sem excluir ninguém; amar gratuitamente, acolher e aceitar totalmente o outro como gostaria que me aceitassem a mim, incondicionalmente, com as minhas fragilidades e as minhas virtudes; pôr-me no lugar do outro, procurar sentir, compreender o que o outro sente e vive, e vivê-lo com empatia, vendo todos como Jesus nos olhou, sem fazer distinção de pessoas; esperar o melhor do outro, pois eu faço os outros de acordo como os vejo. Viver assim mostrar-me-á como o amor é contagioso e tende à reciprocidade. Vendo a plenitude em que vivem os que amam, surge, espontaneamente, em quem é amado, o amor por eles. 'Só assim poderão mudar os relacionamentos entre as pessoas nos vários lugares e em todos os âmbitos sociais, com consequências imprevisíveis'. (Id. pp. 175 e 176)

Acrescenta Iñaqui Guerrero a concluir o seu pequeno mas precioso livro: «.. se não houver obstáculos especiais, o amor é também o melhor método 'terapêutico' para resolver os nossos complexos, para nos tornar mais livres e, por isso, mais capazes de amar».

Infelizmente, apesar das evidências científicas cada vez mais claras, constatamos que a cultura dominante na nossa sociedade continua a empurrar-nos para o hedonismo, para a busca frenética da felicidade. Tal proceder arrasta muitos para o egoísmo, e para a consequente depressão.. quando o amor, vivido socialmente, na reciprocidade, é o único modelo plenamente humano de nos relacionarmos em todos os campos». Sem ele, nunca haverá verdadeiro Natal. O Natal de Jesus.

Um Santo e Feliz Natal!


Autor: Carlos Nuno Vaz
DM

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15 dezembro 2018