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Sem olés

Assisti estupefacto a um programa sobre touradas dirigido pela jornalista Campos Ferreira. Estupefacto porque julgava que se ia ali discutir a taxa que o Governo impôs às touradas. Afinal a figura principal deste debate foi a paixão ou não paixão sobre as touradas. Paixões foram o tempero deste programa televisivo. Mas a minha estupefação atingiu o paroxismo do absurdo quando um “doutorado” disse que o touro não sentia dores quando era espetado pelos ferros dos bandarilheiros e ou toureiros ou, se as sentia, eram minimizadas porque logo superadas pela adrenalina da luta. Também disseram que o touro era um animal geneticamente preparado e modificado para se transformar num “gladiador” de arenas, não romanas mas tauromáquicas, isto para gáudio dos que nas bancadas aplaudem esta luta entre touros e toureiros. As touradas são uma barbárie ou uma marca civilizacional? À volta desta questão se dirimiram opiniões díspares. O programa deveria colocar a questão não apenas no sofrimento dos touros mas também no que sofrem outros animais selvagens, tigres, leões, elefantes, pássaros, pombas, em jaulas de circo, ou aprisionados em espaços diminutos; e isto tudo para fazer dum circo um entretenimento e encher as bilheteiras. Quanto à caça: sou contra aqueles que caçam por prazer de matar; são os mesmos que trazem à cinta coelhos, perdizes, codornizes como trofeus de guerra, exibindo-os a quem passa como marca da sua destreza na arte de matar a tiro. Fui contra a matança de pombas que se praticava no clube de caçadores, em Braga, há tempos. Um dia observaram que numa tribo selvagem não havia animais domésticos porque, segundo o ancião, eles pertencem à natureza. Que lição! No debate sobre touradas teriam dito a este “selvagem” que ele não conhecia o contexto do debate e, com a sua ignorância, o seu testemunho não colhia qualquer validade nesta questão. Aqueles que se deixam levar pela arrogância de pensar em definir opiniões devem ter a humildade de pensar que há outros conhecimentos para lá dos nossos. O ancião sabia agradecer à mãe-natureza, assim se exprimiu, retirando dela aquilo de que precisava para viver e nunca para se entreter. Penso como o ancião desta tribo. Os animais devem viver em liberdade. E quantas asas em gaiolas, quantos macacos em grades, quantos tigres e leões enjaulados, quantos cãezinhos amestrados, quantos elefantes sacrificados para gozo de alguns e do negócio de muitos! Se sentissem como eu sinto, quantos suspiros, quantos anseios, quantos desejos não exprimiriam para se encontrarem fora daquelas grades, longe daqueles cubículos para poderem usufruir dos grandes espaços dos seus habitat que nem os horizontes cerceiam. Os touros, segundo disseram, é um animal modificado geneticamente para aquele tipo de luta. Geneticamente modificados?! Eugenia em touros de tourada?! Se isto é verdade é ainda mais tenebroso; faz-me arrepiar pensar que se prepara um animal para fazer parte da luta num circo aos gritos de olés e sempre e quando o homem quiser; criaturas dotadas de valores éticos e morais, conseguem exultar fazendo sangrar a “besta”. Besta porque é uma modificação genética. E se um dia se lembram de modificar as pessoas para fazer delas aleijões de circo ou “novos gladiadores”? A ideia de colocar um velcro nas costas dos touros, como se faz no México, segundo disse um dos interveniente nesse debate, para ali prenderem as bandarilhas, foi imediatamente rejeitada pelos aficionados, porque “retirava à lide a verdade tauromáquica” que é, afinal, concluímos nós, o sangue derramado. Sem sangue não se fazem morcelas e, pelos vistos, sem ele também não há touradas que prestem!!!
Autor: Paulo Fafe
DM

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26 novembro 2018