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Que representatividade? (3)

Após os dois textos anteriores que escrevemos com este título, fomos agradavelmente surpreendidos com uma iniciativa da maior importância, que é a petição “Legislar o poder de os cidadãos escolherem e elegerem os seus deputados”, promovida pela APDQ (Associação por uma Democracia de Qualidade), subscrita por José Ribeiro e Castro, e pela SEDES (Associação para o Desenvolvimento Económico e Social), subscrita por José Dias Coelho – que há muito pugnam por tal reforma –, que está na Internet (basta escrever o título da Petição) e que inclui uma oportuna e mui bem gizada iniciativa legislativa de cidadãos para mudar a lei que rege o sistema eleitoral.

Com efeito, como já escrevemos, actualmente, o voto dos cidadãosquase nadadecide: as verdadeiras “eleições”, em Portugal, fazem-se umas semanas antes, quando os directórios dos partidos compõem as listas de candidatos; é então que quase tudo se decide! Daí que os eleitores se sintam cada vez mais descrentes da democracia, pelo quase nulo poder de escolher quem os representa: nem ao menos, como na maioria dos países da União Europeia, e em democracias mundiais, têm a possibilidade de assinalar a preferência num candidato da lista, muito menos de os ordenar! Como se afirma na petição, “os eleitores sentem cada vez mais ser quase nulo o poder de escolher quem os representa, o que reduz a democracia a um desapontamento frequente”. De facto, o cidadão apenas pode pôr uma cruz junto à sigla dum partido, aceitando tudo (na lista fechada e bloqueada) o que antes foi decidido!

2. A reforma agora proposta é consentânea com a tripla representatividade democrática imprescindível: uma representação equilibrada do território, uma correcta representação das correntes políticas, uma efectiva representação dos cidadãos; esta é até assegurada pela capacidade de os eleitores escolherem directamente o deputado que querem a representá-los, através da votação de maior proximidade nos círculos uninominais.

Ora isto será uma mutação qualitativa, quando, entre nós, os cidadãos não se sentem representados pelo deputado, que deveria ser o porta-voz das suas aspirações no parlamento; aliás, os cidadãos nem conhecem os deputados do seu círculo eleitoral, que, ainda por cima, dizem representá-los! Assim, a iniciativa que em boa hora foi apresentada, favorece, por uma via, o reforço da ligação entre eleitores e eleitos, a nível dos círculos uninominais; e, por outra via, o multipartidarismo, a nível dos círculos plurinominais: afinal, um duplo voto, cada um deles para eleger metade do parlamento, um deles segundo o método maioritário em círculos uninominais, o outro pelo método proporcional. Note-se que esta reforma não carece de revisão constitucional, pois já a revisão de 1997 (há quanto tempo!) foi pensada para a aplicar, podendo, se houver bom discernimento, ser agora concretizada.

3. O controlo partidário tem sido tal que a lei que regula as iniciativas legislativas – a possibilidade de 20 mil cidadãos propor uma alteração legislativa à Assembleia da República – tem uma cláusula de exclusão, que é precisamente a reforma do sistema eleitoral: esta só pode fazer-se por iniciativa dos partidos. Convenhamos, é demais!

Ora, com a petição, espera-se recolher as assinaturas necessárias para que assunto de tamanha importância seja presente em plenário do parlamento; depois, só, e só se algum(ns) dos 230 deputados apresentar por sua iniciativa o projecto de lei é que ele será debatido e votado. Os promotores da iniciativa pretendem juntar 20 mil assinaturas para que os deputados decidam se mudam ou não a lei e, em caso afirmativo, se pronunciem sobre o projecto de reforma do sistema eleitoral agora apresentado.

Se houver reforma, sem dúvida, será dado um grande passo na renovação da democracia portuguesa e na proximidade dos eleitos (deputados) com os eleitores (cidadãos). Se os partidos forem inflexíveis, se o sistema continuar empedernido como está, com os deputados desligados dos seus eleitores, obedientes só aos chefes partidários que os puseram nas listas, então interrogo-me: para quê votar? Aliás, os dados o confirmam: cada ano, cresce assustadoramente (45% em 2015, o que deveria assustar os partidos!) o número de cidadãos que não vota!

4. O projecto legislativo anexo à Petição parece complicado mas não é: não é apenas assente em círculos uninominais – como o do Reino Unido –, mas, inspirado no sistema alemão, significa a evolução de um sistema de representação proporcional de listas fechadas (o actual), para um sistema de representação proporcional personalizada; assim, no boletim de voto, cada eleitor assinalaria, entre os candidatos no seu círculo uninominal, o deputado que prefere, e nos círculos territoriais (distritais) plurinominais, o partido da sua escolha. Estamos de acordo com este projecto – na sequência do que defendemos nos artigos anteriores – e, por isso, já assinei a petição.

O autor não segue o denominado acordo ortográfico.


Autor: Acílio Estanqueiro Rocha
DM

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9 outubro 2018