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A política e os «lugarzinhos»

1 – Na política – como em qualquer outro palco de disputa pelos corredores do poder –, raras são as vezes em que interesses de maior monta não surgem sacrificados pelo bacoquismo e prepotência daqueles que creem que a força de uma liderança se mede pela intensidade com que hostiliza as minorias que se lhe opuseram e acabaram derrotadas. Foi assim, de resto, ao longo de quase todas as mais negras páginas da história da humanidade; muito particularmente, aquando dos piores momentos da crise do último século, onde, como recorda Rui Tavares, “a supremacia em cada campo ideológico foi tomada por quem considerava que a vitória dos seus dependia do esmagamento total dos outros” (cfr. “Esquerda e Direita: guia histórico para o século XXI, Tinta da China, 2015, p. 67).

E tal e qual continua a ser no mísero e pueril recreio em que se converteu a vida partidária contemporânea, sobretudo, desde que o papel outrora reservado às genuínas divergências entre tendências ou correntes de opinião representativas da diversidade de sensibilidades políticas, históricas, filosóficas e sociais existentes dentro de um mesmo «emblema», cedeu lugar à discordância táctica e fulanizada entre diferentes facções de barões e baronetes, invariavelmente mais preocupados em assegurar o sucesso dos respectivos projectos de poder pessoais, do que em velarem pelo futuro do país e do regime democrático.

2 –Só chocarão, pois, as recentes declarações de Rui Rio (convidando aqueles que “discordam do ponto de vista estrutural” da orientação ideológico-programática colocada em prática pela sua direcção a seguirem o exemplo de Pedro Santana Lopes e abandonarem o Partido Social Democrata, ao invés de ficarem “dentro a tentar destruir”), a quem, por manifesta ingenuidade, desconhecimento ou hipocrisia, ignorar o desdenhoso pântano em que subsiste envolto o funcionamento interno-democrático da generalidade dos modernos partidos de massas e eleitores, nos quais, ao cabo e ao resto – e parafraseando uma célebre sátira de Mark Twain – a única liberdade de raciocínio parece a de seguir o que o partido pensa; a única liberdade de opinião tende a resumir-se a dizer o que o partido ordena; e a única tolerância que se justifica é a tolerância que o partido aprova.

Tudo, com o aparentemente inócuo fito de se preservar uma imagem de unidade e de coesão interna perante o eleitorado, capaz de garantir os votos e os «lugarzinhos» necessários para sobreviver às investidas da concorrência e – não menos importante! – saciar os caprichos dos caciques e galopins que operam e dominam o temível «aparelho» partidário.

3 –Não está, porém, no estilo pouco ortodoxo e «sem papas na língua» do sucessor de Passos Coelho (cujo teor das declarações suprase desvela, aliás, bem menos repreensível quando interpretado não tanto como uma manifestação de despotismo e deslumbramento com o poder – como muitos têm engenhosa e calculisticamente vindo a argumentar –, mas antes como uma provocação aos profissionais da intriga e da fabricação de factos políticos, que nunca se assumem como alternativa, mas sempre promovem a oposição), a raiz de todos os males e vícios de um partido que, à semelhança de quase todos os seus congéneres nacionais e europeus, há muito deixou de vislumbrar na discordância sã e no livre entrechoque deideiase posições– e não de pessoas– uma condição essencial de progresso.

Prova disso, são os crescentes pedidos impugnatórios com que se tem defrontado o Tribunal Constitucional em sede de contencioso partidário ao longo das últimas décadas; e que sempre – ou quase sempre – assentam na denegação dos mais elementares direitos de participação interno-democrática de militantes não alinhados com o poder instituído, com recurso a artifícios e manobras de bastidores dignos de verdadeiras produções hollywoodescas.

4 –Parecem esquecer, contudo, os proto-políticos de hoje que, como outrora escreveu Maquiavel, “nada é tão débil e instável quanto a fama da potência não assente na própria força”. E que aqueles que procuram o sedutor atalho da liderança pelo medo, em detrimento do árduo – mas nobre – trilho da liderança pelorespeitoestarão, inevitavelmente, condenados ao fracasso. Tal como os que os criticam na forma, mas os imitam na substância. Afinal, nada dura para sempre. Muito menos a farsa, o poder e os «lugarzinhos».


Autor: Joel A. Alves
DM

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22 setembro 2018