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Precisamos dos filhos do embaixador

Onde estarão os filhos do embaixador do Iraque agora que tanto precisávamos deles? Há dois anos, mais ou menos por esta altura de Agosto, sabíamos onde os poderíamos encontrar. Nessa ocasião, um canal televisivo descobriu-os, entrevistou-os e ficou a saber que eles não sairiam do sítio em que se encontravam. Os filhos de embaixador do Iraque eram, nessa altura, suspeitos da agressão de um jovem em Ponte de Sor. A ocorrência não era diferente de tantas outras, mas alcançou imensa repercussão, mesmo internacional e, no Brasil, por exemplo, a Globo observou que o sucedido “causou consternação no país”. A constatação não era exagerada. O caso tinha começado com ofensas à integridade física dos jovens iraquianos por parte de um grupo de que fazia parte o jovem português. Este foi, a seguir, espancado pelos rapazes iraquianos. O episódio – ou os dois episódios, se se quiser ser rigoroso – desdobrou-se num folhetim diário no espaço nobre dos noticiários televisivos durante longas semanas, com recurso a abundantes personagens secundárias. Como de costume nos momentos de excitação mediática, comentadores de todo o género multiplicavam-se por todo o lado para analisar o caso sob todos os prismas. A agressão ditou que se falasse de educação, de modos de diversão nocturna, de consumo de álcool, de testosterona estival, de tradições culturais, de psicologia, de direito nacional e internacional, de relações diplomáticas, de segurança interna, de violência, de, enfim, um pouco mais do que aquilo que apenas diz respeito ao mundo dos jovens. Os governantes não se puderam furtar a pronunciar-se sobre o tema. Os psicólogos, esses, abundaram, traçando perfis psicológicos dos agressores com a exactidão com que se escolhe um bilhete de lotaria. Bastava, a alguns, olhar por um instante para vagas imagens dos filhos do embaixador para fazer um diagnóstico: eles eram os bodes expiatórios de toda a violência juvenil, não apenas da que acabara de ocorrer, mas também da passada e da futura. E todavia, depois de o agredido ter recebido abundante dinheiro para ultrapassar o trauma da agressão, o assunto expirou e a violência juvenil não voltou a inquietar o país. Nenhuma outra cena de pancadaria voltou a mobilizar tamanha quantidade de especialistas em agressividade juvenil e problemas afins, apesar de os casos semelhantes ao de Ponte de Sor não cessarem de se repetir. Em Caminha, há pouco mais de uma dezena de dias, segundo noticiou o Correio da Manhã, na sequência de uns desacatos começados num bar, um jovem de 20 anos foi alvo de uma agressão brutal, ficando “às portas da morte”. “Encontra-se no hospital em coma induzido”, informou o jornal. A notícia sobre o agredido de Ponte de Sor dissera o mesmo, mas, desta vez, os media não julgaram necessário apresentar uma informação regular sobre o estado de saúde da vítima, nem escutar o advogado (talvez inexistente) do rapaz agredido, nem entrevistar o agressor para saber o tinha a dizer sobre o acto que cometera, nem indagar o que pensa a miríade de especialistas sobre a violência registada na rua de Caminha, nem reflectir sobre o que se passou, nem fornecer pistas sobre como prevenir a sucessão de histórias parecidas. Dias depois, para referir apenas mais um facto nocturno análogo também relatado pelo Correio da Manhã, um jovem actor, que participou em novelas como Mar salgado e Bem-vindos a Beirais, foi agredido violentamente na Baixa de Lisboa, tendo perdido alguns dentes e tido necessidade de uma operação de urgência. Mais uma vez, não houve sobressaltos. Não havendo filhos de um embaixador envolvidos na agressão, nem um advogado a mediatizar o assunto, as agressões perdem-se entre as irrelevâncias dos casos do dia. A violência juvenil apenas parece inquietar os media se se der o caso de ser susceptível de desencadear uma batalha diplomática.
Autor: Eduardo Jorge Madureira Lopes
DM

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12 agosto 2018