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Israel e a discriminação dos não judeus

Sete anos depois de ter sido proposta, o Parlamento de Israel (Knesset) acabou por aprovar a chamada “lei do Estado-nação”, com votos de 62 deputados a favor e 55 contra. Nela se afirma que “Israel é a pátria do povo judaico que tem o direito exclusivo à autodeterminação nacional”. A lei terá sido aprovada pelo receio que Israel possa perder o seu carácter judaico à medida que a solução de dois Estados (um Estado judaico e outro palestiniano) possa levar os judeus a ficar em minoria. Recorde-se que “os palestinianos são 20% da população que vive no Estado de Israel e 50% da população que vive entre o rio Jordão e o Mediterrâneo, ou seja, no território correspondente a Israel e os territórios ocupados da Cisjordânia e a Faixa de Gaza” (cf. Maria João Guimarães, in Público, de 20.07.2018) As organizações judaicas dos EUA já se haviam manifestado contra a lei, pedindo a sua não aprovação. Por sua vez, a Human Rights e as organizações representantes da minoria árabe manifestaram a sua preocupação com os efeitos da lei, ao declarar que apenas os judeus têm “direito de autodeterminação”. Também a União Europeia (UE) transmitiu idêntica preocupação às autoridades israelitas. O que diriam os extremistas do Likud – ocupantes do Governo israelita – se os Estados onde vivem os judeus da diáspora procedessem do mesmo modo discriminatório? Como muito bem refere Diogo Queiroz de Andrade, escrevendo sobre o “apartheid israelita”, em editorial do Público, de 21.07.18, “com esta lei infeliz, Israel não se vai distinguir, no essencial, da cultura do Estado do Irão. Ser um Estado religioso implica dar primazia à interpretação divina dominante e não ao modelo social, subjugando o cidadão ao crente e desvalorizando a democracia em função da lei religiosa”. No início deste século XXI, o Estado de Israel enfrenta um teste crucial entre a crescente influência da religião ortodoxa, na política e nos sistemas jurídicos, e as reivindicações de judeus liberais e não religiosos de uma clara separação entre Estado e religião, segundo o espírito da fundação de Israel. Os primeiros rejeitam os desafios de uma pós-modernidade, à semelhança da União Europeia (UE) e outros processos similares na América Latina e Sudeste Asiático, com uma orientação mais internacional do que nacional, apesar das antigas e modernas oposições políticas, éticas e religiosas. No fundo, é substituir o antagonismo agressivo por uma boa vizinhança e paz entre as nações e substituir o fanatismo por uma coexistência pacífica. Na escolha entre o pluralismo religioso ou uma religião estatal única, o Knesset optou pela segunda alternativa, numa violação flagrante do espírito que presidiu à fundação do Estado judaico. Israel já se havia colocado numa posição extremamente difícil com a sua política de ocupação de território palestiniano, depois da guerra de 1967, caminhando para um mais amplo isolamento internacional. Com a nova lei, a política racista oficial e antidemocrática irá acentuar ainda mais esse isolamento. Deste modo, Israel continua, infelizmente, em perigo de permanecer ainda mais preso ao passado, em vez de enfrentar o presente e de se abrir para o futuro. Espera-se que, principalmente, a comunidade judaica nos EUA e na Europa, que há muito se encontra num dilema moral pela escandalosa opressão de um povo, não se cale perante esta lei discriminatória dos não judeus e passe a ajudar aqueles que desejam que a paz prevaleça em Israel. Tal como escreveu o antigo presidente do Knesset, Avraham Burg, num artigo publicado em 2003, com o título “O colapso de uma sociedade israelita falhada”: “o povo judeu não sobreviveu dois milénios para ser pioneiro na conceção de novas armas, programas informáticos de segurança ou mísseis antimísseis. Devíamos ser uma luz a guiar as nações e nisto falhamos. Afinal, a luta de 2000 anos pela sobrevivência dos judeus reduz-se a um Estado de colonatos, governado por um grupo amoral de corruptos fora da lei, que não ouvem os seus cidadãos nem os seus inimigos. Um Estado sem justiça não pode sobreviver” (cf. International Herald Tribune, 6/7 de setembro de 2003). De relevo para a questão em análise, importa também recordar a posição de Theodor Herzle do antigo presidente do Congresso Mundial Judaico, Nahum Goldmann, bem como muitas outras grandes figuras do judaísmo, como o filósofo religioso Martin Buber, na medida em que todos se opuseram ao terror e à guerra e defendiam a colaboração entre judeus e árabes. Paradoxalmente, o Estado de Israel assemelha-se a alguns países islâmicos que reprimem os desafios de uma pós-modenidade, em que permaneça uma orientação mais internacional que nacional, promovendo, em vez de um antagonismo agressivo, uma boa vizinhança e paz entre as nações. Para isso, o caminho a seguir é o da democracia, de modo que a minoria árabe e os não judeus tenham os mesmos direitos dos cidadãos descendentes de judeus. A maioria dos deputados do Knesset optou por um Estado não democrático e por uma lei que fomenta o racismo.
Autor: Narciso Machado
DM

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8 agosto 2018