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Fátima, sempre foi, já é e será sempre mais (21) Nossa Senhora no coração dos literatos

O romantismo trouxe um espírito novo às letras portuguesas, muito influenciadas pelo arcadismo, como vimos anteriormente.

Bocage, arcadista, iniciou essa viragem, mas, ainda, muito tenuemente, embora agitasse bastante aquele conformismo neoclássico que não se coadunava com a mentalidade do seu tempo, passando a ser a emoção e a sensibilidade como as principais linhas inspiradoras dos escritores.

O individualismo, o subjetivismo, a emoção, o sentimento, com a sua originalidade e liberdade dos escritos, passam a dominar os fatores extrínsecos de toda uma cultura intelectual, filosófica e religiosa. A eloquência, o academismo, o elevado formalismo que ainda está patente na obra de Bocage e, mais tarde, nos gostos de Castilho, vão dando lugar aos sentimentalismos individuais, à poesia íntima, à confidência e a tantas outras revelações de alma.

Almeida Garrett (1799-1854), escritor, dramaturgo, poeta e político, nasceu no Porto e faleceu em Lisboa. Participou na revolução liberal de 1820, indo para o exílio na Inglaterra, após a Vilafrancada, golpe absolutista chefiado por D. Miguel e pela rainha D. Carlota Joaquina.

Foi um grande nome da nossa literatura com uma linguagem poética acessível, próxima da nitidez e da simplicidade dos Cancioneiros, exercendo uma grande influência estética na literatura portuguesa.

Nota-se, nesta fase inicial do romantismo, um amor e um culto à mulher amada, estando a Virgem Santíssima, como sempre, no íntimo e nos sentimentos dos literatos. Almeida Garrett, num dos momentos dramáticos da sua vida ao lado da filha enferma, vindo a falecer, recorreu a Nossa Senhora, suplicando-lhe: «Maria! Doce mãe dos desvalidos,/A ti clamo, a ti brado!/A ti sobem, Senhora, os meus gemidos,/ A ti o hino sagrado/ Do coração dum pai…»

Gonçalves Dias (1823-1864), poeta, jornalista, advogado, etnógrafo e teatrólogo brasileiro, foi muito importante, sobretudo no Brasil, neste fervilhar do romantismo, apontando as virtudes do combate ao arcadismo com a substituição do “aparato eloquente e artificioso por uma simplicidade despretensiosa, através da qual a poesia flui despida de todos os artifícios…” Amante da natureza que o acompanha e o inspira, acentuando o culto à mulher amada, imbuído de sentimentos de respeito, focando como modelo a Virgem Santíssima:«Seu nobre coração é como um templo/Onde só Deus habita…/É como um lago de marmóreo leito/Sua alma ingénua e bela;/No fundo não se enxerga o verde limo,/E a lisa face nos amostra os astros;/E onde o humilde pastor só vê luzeiros,/ Os anjos lá dos Céus contemplam mundos…»

Castilho (1800-1875) afastou-se um pouco da corrente romântica, regressando à inspiração do arcadismo, perpetuando, numa parte da sua obra, a disciplina estética, no equilíbrio dos sentimentos e o mote classicista que foi praticamente a sua marca, sendo muito criticado pelos seus contemporâneos, mas, mais tarde, louvado, pelos seus próprios críticos, como Antero de Quental, por lutar contra o adormecimento intelectual e literário que afetou Portugal.

O seu sentimento religioso esteve presente na sua obra com várias poesias dedicadas a Nossa Senhora, focando, como exemplo, o rimance (espécie de romance popular) à Senhora de Nazaré com o desenvolvimento da lenda da formação do povoado, tendo presente o milagre D. Fuas Roupinho.

Alexandre Herculano, escritor, historiador, político e jornalista (1810-1877), pai da historiografia, foi um dos principais percursores do romantismo, revelando-se nos seus poemas e seus romances, defensor acérrimo do regime liberal, participando nas lutas políticas, sendo obrigado a exilar-se para Inglaterra e também para França.

Herculano, na expressão dos seus sentimentos, nunca esqueceu a sua religiosidade profunda, transmitindo a sua fé em Deus e em Nossa Senhora, por exemplo: “Harpa do Crente”, «Nas horas do silêncio, à meia-noite,/Eu louvarei o eterno!/Ouçam-me a terra e os mares rugidores/ E os abismos do Inferno…// Poema das badaladas vesperais das Ave-Marias, « …ao longe,/Do presbitério rústico, mandava/ O sinos simples sons, pelas quebradas/ Da cordilheira, anunciando o instante/ Da Ave Maria; da oração singela/ Mas solene, mas santa, em que a voz do homem/ Se mistura nos cânticos saudosos/ Que a natureza envia ao Céu…»

Principal fonte destas crónicas: “Fátima Altar do Mundo”, 3 volumes, sob a direção literária do Dr. João Ameal da Academia Portuguesa da História; direção artística de Luís Reis Santos, historiador de arte e diretor do Museu Machado de Castro, Coimbra; realização e propriedade de Augusto Dias Arnaut e Gabriel Ferreira Marques, editada pela Ocidental Editora, Porto, em 1953.


Autor: Salvador de Sousa
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4 agosto 2018