twitter

Sanguessugas

1. Leio no Dicionário da Academia das Ciências de Lisboa: Sanguessuga: verme da família dos anelídeos, de corpo comprido e anelado, com uma ventosa em cada extremidade, usado em Medicina para fazer sangrias locais, para sugar sangue em algumas partes do corpo. Lembro-me de ter visto esta prática na aldeia em que nasci. Circunstâncias havia em que «botavam as bichas» a pessoas que tinham necessidade de serem sangradas. No mesmo Dicionário leio também: Sanguessuga: pessoa que vive à custa de outra pessoa; pessoa que explora outra, pedindo ou extorquindo dinheiro frequentes vezes. 2. É sobre esta outra espécie de sanguessugas que me proponho refletir. Numa altura em que tanto se continua a falar da luta contra a exploração do homem pelo homem, a atividade destas sanguessugas é prática frequente. Existem na família, onde há filhos que não deixam de explorar os pais, levando-lhes quanto têm. Enganam-nos. Abusam da sua amizade. Se puderem, despejam-lhes a casa. Estas sanguessugas são, em alguns casos, vítimas de outras. Refiro-me, concretamente, a quantos engordam à custa do tráfico de estupefacientes, a quem o que importa são dinheiro e valores, sem cuidarem da sua proveniência. Refiro-me aos recetadores de artigos furtados. Existem sanguessugas no meio escolar, onde há matulões a explorarem estudantes mais novos e mais débeis, coagindo-os a darem-lhes o que possuem ou a trazerem de casa coisas que não deviam trazer. Existem nos meios de trabalho. Quando a oferta é superior à procura, abusa-se da situação de fraqueza das pessoas, exigindo delas a prática de atos indignos, pondo-as a trabalhar em condições desumanas, pagando mal e fora de horas. Existem também quando a procura é superior à oferta. Fazem-se, então, exigências exorbitantes: só presto este serviço se me der tanto. E apresenta-se uma fatura exagerada. São sanguessugas pessoas que, conhecedoras da necessidade de alguém, emprestam dinheiro a juro muito acima do razoável. Sanguessugas são todos os que, conscientes da necessidade dos outros, abusam dessa mesma necessidade. Que, a pretexto de os servirem, se servem deles, apoderando-se desonestamente de dinheiro ou de diversos bens. Há sanguessugas que exploram a vaidade dos outros, convertendo-se em bajuladores profissionais a troco de grandes vantagens. Há sanguessugas que abusam da boa fé e da confiança dos outros. Fazem-se muito amigas e criam um clima de muita intimidade, levando a pessoa a abrir-se e a fazer confidências. Depois, fazem chantagem com os conhecimentos adquiridos, ameaçando com a revelação de tais conhecimentos se não lhes for dado o que querem ou não forem satisfeitas exigências que pretendem. Há sanguessugas em serviços públicos onde, se não derem luvas, os cidadãos veem constantemente adiadas ou dificultadas as suas pretensões. Sanguessugas há em locais onde se atua como se os cidadãos fossem uns mais iguais que outros. Enquanto uns têm de esperar na fila, a outros abre-se a chamada porta do cavalo, a fim de que vejam de imediato resolvidos os seus problemas. Enquanto a uns tudo se facilita, a outros fazem-se exigências e mais exigências. São sanguessugas indivíduos que, a troco de dinheiro, prometem às pessoas retirá-las de situações de miséria ou de violência mas depois as abandonam. Pessoas que vivem da desgraça alheia e de falsas promessas. Há sanguessugas nas redes sociais. Pessoas sabidonas que abusam da ingenuidade e da simplicidade dos outros, levando-os à prática de atos reprováveis e exigindo depois avultadas quantias para os não trazerem a público. 3. A atividade das sanguessugas deve ser denunciada sem contemplações, a fim de que, quem tem obrigação de lhe pôr cobro, não invoque o desconhecimento dos factos para não intervir como se impõe. Esta denúncia exige que os explorados se libertem do medo que lhes foi imposto pelos exploradores, que não deixam de ameaçar com represálias se os lesados alertarem para os atos de que são vítimas. Também há quem, por vergonha, cale a exploração de que padece. Pessoas em tais situações constituem o grupo dos sem-voz. Que alguém alerte para as circunstâncias em que vivem e as ajude a libertarem-se da escravidão em que vivem.
Autor: Silva Araújo
DM

DM

12 julho 2018