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Nossa Senhora no coração dos literatos

Luís de Camões, um génio literário, uma referência para toda a comunidade lusófona e também marca internacional que dispensa palavras, um vulto da poesia portuguesa, foi proclamado como “O Poeta da Fé”. Fascinado pelo culto e artes pagãs, podemos considerar que os conceitos históricos e míticos interagem em toda a estrutura do poema, dando-lhe beleza, motivação para a leitura e grandeza, realçando, de uma forma ficcionista, a ação dos deuses, sem deixar a sua religiosidade patente nos seus versos, transparecendo duas realidades distintas: pagã no plano da ficção, servindo-se dos deuses, figuras de estilo e de forte simbologia para enaltecer a heroicidade, a grandeza e a bravura dos portugueses e a cristã no plano das suas convicções, vivências pessoais, mas também assumindo a religiosidade de um povo, mantendo sempre vivo o culto maternal pela Virgem Maria, deixando muitos escritos religiosos revelando, neles, um especial carinho por Nossa Senhora como provam alguns versos que vou citar do livro que estou a ler: «Vai Rainha dos Anjos muito amada/E preciosa pedra diamantina/De perfeições e graças esmaltada// Vai Estrela do Mar! Vai Luz divina,/Escolhida do Céu! Vai cordeirinha!// Branca “assucena”(açucena) e rosa matutina!// Vai caminho de glória, vai pombinha/ Branca, sem fel; bendita entre as mulheres/ Vai, Mãe da lei da Graça! Vai azinha.// Ao monte Calvário, se ver queres./ Ao teu precioso Filho, antes de morto./ Desconsolada vai! Vai, não esperes!» Vou citar agora um lindo soneto, entre tantos outros textos, que prova a religiosidade de Camões, mormente na sua grande entrega a Maria, elevando-a às alturas, contrapondo um pouco uma parte do pensamento renascentista virado mais para as divindades pagãs, mas, primeiro, reflitamos nesta citação do Livro dos Provérbios (8, 22-31): «O Senhor me criou como primícias das suas obras, desde o princípio, antes que criasse coisa alguma; desde a eternidade fui constituída, desde as origens, antes dos primórdios da terra...» Realço, também, a cultura teológica do poeta como podemos provar, na sua vasta obra, com reflexões que, por exemplo, faz sobre a Trindade e Maria nos Lusíadas, na Lírica, nos sonetos… «Para se namorar do que criou, / te fez Deus, santa Fénix, Virgem pura./ Vede que tal seria esta feitura/ que a fez quem para si só a guardou. No seu santo conceito te formou/ primeiro que a primeira criatura,/ para que única fosse a compostura/ que de tão longo tempo se estudou. Não sei se direi nisto tudo quanto baste/ para exprimir as santas qualidades,/ que quis criar em ti quem tu criaste./ És filha, mãe e esposa. E se alcançaste,/ uma só, três tão altas dignidades,/ foi porque a três e um só tanto agradaste. Em Camões, Maria é a “mística flor”, simples, dolorosa que, junto à Cruz do seu Divino Filho não aparece apenas como um sinal de dor, mas também como um sinal da Trindade, Corredentora, como que a intermediária para “fazer chegar os frutos da redenção a toda a criatura que vive e viverá”. Luís de Camões, exprimindo a sua singular expressão sobre Maria, amando-a de verdade, compõe, ainda, um ambiente de rusticidade, campesino, um cenário de fé dos humildes à Virgem Santíssima como sinal de uma Mãe que é acarinhada em todos os espaços terrenos: «Nas cidades, nos bosques, nas florestas,/ Nos vales e nos montes, teus louvores/ Sempre te cantem músicos, pastores,/ Nas manhãs frias, nas ardentes sestas.» Nossa Senhora esteve, está e estará sempre no coração de muitos dos literatos. Grande inspiradora de notáveis escritores: Frei Tomé de Jesus (1529-1552, prisioneiro na batalha de Alcácer-Quibir, que por amor de Deus e dos homens foi severamente maltratado pelos infiéis; Frei Agostinho da Cruz, poeta místico de elevado valor da literatura portuguesa que abandonou a sua vida faustosa, de nobre fidalgo, para se entregar à vida contemplativa no silêncio da serra; Anchieta nascido em 1534 em Tenerife, estudou na Universidade de Coimbra, mas cedo, aos 17 anos, já estava na Companhia de Jesus e aos 20 anos vai para o Brasil ensinar de tal maneira que o Cardeal Gonçalves Cerejeira, falando sobre ele, refere: «Com Anchieta, o Brasil nasceu a cantar louvores à Virgem Imaculada… Principal fonte destas crónicas: “Fátima Altar do Mundo”, 3 volumes, sob a direção literária do Dr. João Ameal da Academia Portuguesa da História; direção artística de Luís Reis Santos, historiador de arte e diretor do Museu Machado de Castro, Coimbra; realização e propriedade de Augusto Dias Arnaut e Gabriel Ferreira Marques, editada pela Ocidental Editora, Porto, em 1953.
Autor: Salvador de Sousa
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19 junho 2018