twitter

Das Letras e do Desporto!

Nos últimos tempos, o desporto tem trazido aos portugueses momentos inesquecíveis de celebração colectiva, de que todos nos orgulhamos enquanto nação. A última grande vitória foi protagonizada pela selecção portuguesa de futsal, recebida no Palácio de Belém pelo Senhor Presidente da República, Professor Doutor Marcelo Rebelo de Sousa. Da sua intervenção, sublinhamos alguns pensamentos. Disse ele na ocasião que na base dessa vitória estava, em primeiro lugar, a capacidade de sonhar… de sonhar com a vitória! Mas também a união, que é muito mais do que a soma das partes, e a humildade de ganhar cada jogo como se fosse um recomeço, como se nada tivesses ficado para trás! Porém, esta vitória fica a dever-se essencialmente ao rigor no trabalho, sublinhou o Senhor Presidente da República: «temos a teoria, muitas vezes, de que basta um génio ou um talento sem trabalho para se chegar a um objectivo… isso não existe. O mundo está cheio de génios e talentos que não chegam a sítio nenhum por falta de rigor no trabalho. Por falta de trabalho consistente e com rigor». E terminou agradecendo aos jovens o seu exemplo, que com ele tanto contribuíram para a elevação da auto-estima nacional! Ora a celebração deste momento alto do desporto nacional também muito ficará a dever à intervenção lúcida e às palavras oportunas do mais alto magistrado da Nação. O dom da palavra, que por todos lhe é reconhecido e que o consagram como um dos oradores mais impressivos da actualidade portuguesa, resulta de uma formação humanística rigorosa, que lhe proporciona uma sólida cultura geral: «pois é dessa cultura geral que deve florescer e emanar o discurso, que, se não tiver um fundo de conhecimentos assimilados, será um articular de palavras vãs e quase pueril», para citar as palavras de outro grande estadista da Roma antiga, Cícero, a partir do seu tratado Do Orador (I.6.20). Por outro lado, à luz da força avassaladora com que o desporto marca o nosso quotidiano, não nos podemos esquecer que já na Antiguidade se verberou a excessiva importância que a sociedade lhe concedia. Numa das cartas que dirigiu ao seu amigo Lucílio, natural de Pompeios, Séneca, filósofo natural de Córdova, começa por se regozijar do tempo livre proporcionado pelo espectáculo de uma “esferomaquia” que havia atraído todos os possíveis importunos! Trata-se de um jogo de bola em que participavam diversos competidores. Mas nesta Carta 80, que se pode consultar em edição da Fundação Calouste Gulbenkian (Cartas a Lucílio), traduzida e anotada pelo professor universitário J. A. Segurado e Campos, também havia de queixar-se, com veemência, das competições desportivas que decorriam no estádio, as quais atiravam para plano secundário as realizações culturais: «Mas creio que falei demais quando me gabei de poder gozar uma tarde de silêncio e um retiro livre de interrupções: agora mesmo me chega aos ouvidos um enorme clamor vindo do estádio, o qual, se me não corta o pensamento, pelo menos o desvia para a consideração do fenómeno desportivo. Ponho-me a pensar na quantidade dos que exercitam o físico, e na escassez dos que ginasticam a inteligência; na afluência que têm os gratuitos espectáculos desportivos, e na ausência de público durante as manifestações culturais; enfim, na debilidade mental desses atletas de quem admiramos as espáduas musculadas».
Autor: António Maria Martins Melo
DM

DM

3 março 2018