twitter

Os fantasmas da Justiça

Quando gente rica, influente ou poderosa é apanhada nas malhas da Justiça, logo um conjunto de conhecidos escribas ou colunistas se apressa a sair a terreiro em defesa dos visados, levantando todos os fantasmas que habitualmente guardam no armário dos seus disfarces: violação do segredo de justiça e do princípio da presunção de inocência, judicialização da política, perseguição selectiva de pessoas, buscas televisionadas e espectaculares, detenções antes de qualquer interrogatório, prisões para investigar, campanhas de difamação nos jornais e televisões e, ultimamente, até perseguições a clubes de futebol e seus dirigentes…

E tudo isto, dizem, numa situação de promiscuidade e de evidente cumplicidade entre a justiça e a comunicação social, em que ambas as partes têm a ganhar e em que só perdem os arguidos, cujos fundamentais direitos de defesa saem irremediavelmente comprometidos.

Entre os analistas que assim se pronunciaram a propósito do recente caso da Operação Lex, está o ex primeiro-ministro José Sócrates que, em artigo publicado no jornal Público, da passada sexta-feira, acusa o Ministério Público (MºPº) de “desprezo pelos direitos individuais e pela cultura de liberdade, em grau semelhante ao do velho autoritarismo estatal”.

E também de ter ultrapassado a área da investigação, para entrar no domínio da perseguição de alvos selectivos, insinuando que a violação do segredo de justiça é feita pelos próprios magistrados do MºPº, com o objectivo de “substituir o princípio da presunção da inocência pela presunção pública de culpabilidade”.

Ora, com o devido respeito, esta argumentação é falaciosa e obedece a um único propósito: descredibilizar a Justiça, pondo em causa as Magistraturas Judicial e do MºPº, instituições basilares da salvaguarda e aplicação do Direito e da Lei. E tem uma especial destinatária – Joana Marques Vidal, Procuradora-Geral da República (PGR), uma estrénua lutadora no combate à corrupção, venha ela donde vier.

Na verdade, é consabido que, infelizmente, em Portugal como na grande maioria dos países democráticos, o segredo de justiça não é observado e que a sua violação, não sendo muitas vezes investigada, raramente é punida.

E foi justamente por isso que, em 2007, a Assembleia da República, cuja maioria socialista servia então de suporte a um Governo presidido por José Sócrates, alterou o paradigma do segredo de justiça em processo penal (Lei nº 48/2007), passando a partir daí a vigorar a regra da publicidade, a menos que o MºPº, o assistente ou o arguido tenham requerido ao Juiz de Instrução – e este não tenha indeferido – a sua submissão ao segredo de justiça.

Não havendo dúvidas de que foi essa a ratio legis, tudo indica que os deputados terão aprovado essa alteração por receio da opinião pública e sob pressão da comunicação social, sempre sedenta de notícias escaldantes, mormente em tempo de processos mais mediáticos.

Assim sendo, o que se esperava dos poderes executivo e legislativo era que, para os casos excepcionais em que o segredo fosse seguido, se preocupassem em dotar os tribunais dos meios adequados a investigar e julgar quem contumazmente o violasse, agravando, se necessário, a moldura do respectivo crime, em nome das razões que, casuisticamente, continuam a justificar a manutenção do segredo de justiça. Mas o certo é que nada disso sucedeu.

Naturalmente que, num Estado de Direito não pode deixar de lamentar-se tal situação. Porém, resta a constatação de que tal situação vale para todos, ricos e pobres, famosos ou cidadãos anónimos, não havendo destrinça de espécie alguma.

Mas o mais importante de tudo é que as denúncias ou as notícias de simples suspeições de corrupção sejam devidamente investigadas e, quando for o caso, punidas exemplarmente, independentemente de quem é acusado ou suspeito.

E, felizmente, não há no nosso país quaisquer indícios de que haja selectividade na investigação criminal. Mesmo nos processos mais “quentes” têm sido visadas pessoas e figuras de vários partidos e de diferentes empresas, instituições ou até clubes desportivos, com diversas responsabilidades e distintos níveis hierárquicos.

De resto, a opinião pública nacional, perante os casos e provas que a comunicação social tem vindo a expor, vai dando mostras de saber descortinar a verdade e a falsidade e até de graduar a responsabilidade ética e política dos visados, havendo até exemplo de comunidades locais, como a do município de Oeiras, em que os eleitores, soberanamente, se arrogaram o direito de “aministiar”, através da reeleição, um seu autarca, mesmo depois de condenado definitivamente em pena de prisão que cumpriu!…

Em tempo de Carnaval, não confundamos as máscaras com que alguns querem disfarçar comportamentos criminosos, próprios ou alheios, com a descredibilização da imagem da Justiça. Desta espera-se que, com a venda nos olhos e a balança numa das mãos, use a espada da Lei para punir os criminosos, quem quer que eles sejam.


Autor: António Brochado Pedras
DM

DM

9 fevereiro 2018