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A Democracia: desde a Grécia Antiga (20)

O caminho para esta luta fratricida ainda foi sustido, inicialmente, pelo bom senso de Péricles. Mas foi em vão esse esforço. Com efeito, em resultado da peste que dizimava a Ática, a morte prematura do grande estadista ateniense havia de deixar lugar livre para a ascensão do demagogo Cléon que, com a sua ambição insensata, iria precipitar a capitação de Atenas às mãos da grande rival dos Lacedemónios.

O mesmo Cléon que corrompeu o povo, sublinhe-se, abrindo caminho para a desordem, a destruição. E é nesta sequência premonitória que vem a suceder, em 399 a. C., a instauração do processo que condenaria à morte Sócrates, o fundador da ética: «… nenhum mal pode acontecer a um homem de bem, nem em vida, nem depois de morrer, e que nunca os deuses se desinteressam da sua sorte», dirá Sócrates aos juízes, num registo de Platão (Apologia de Sócrates, 41c-d). 

Com Péricles à frente dos seus destinos, Atenas só havia de conhecer a prosperidade e a glória, o que se materializou numa supremacia crescente da cidade, o que motivou vir a ser olhada de soslaio pelas outras cidades gregas que integravam a Liga de Delos, isto é, a grande aliança das cidades gregas, com sede nesta ilha, e que assim se irmanavam para fazer frente a um inimigo comum, os Persas. Por mais paradoxal que nos pareça, foi durante a guerra contra os Persas (490-479 a. C.) que mais se sedimentou o regime democrático ateniense, como também já referimos.

Por tudo o que fica dito, é natural que se coloque esta questão: de que natureza era a figura deste estadista que, por cerca de trinta anos, foi eleito consecutivamente e se manteve à frente do regime democrático ateniense? Que objectivos prosseguia ele?

Desde logo, por uma razão muito cara aos seus concidadãos, mas também válida para a actualidade: «em assuntos de dinheiro, a sua integridade era a toda a prova e tornou-se mesmo proverbial a sua incorruptibilidade: a razão do seu prestígio residia no facto de ter uma autoridade baseada na consideração e nas qualidades de espírito, de ser de uma integridade transparente em questões de dinheiro; conter o povo, sem lhe ameaçar a liberdade, e dirigi-lo em lugar de se deixar arrastar por ele», escreve Tucídides (2.65.8) no seu relato sobre a Guerra do Peloponeso.

Péricles era um homem dado à conciliação, moderado, não se deixando deslumbrar com o exercício do poder. Diz Plutarco, quase a concluir a sua biografia (Péricles 39.1): «Foi, sem dúvida, um homem admirável, não só pela moderação e serenidade que conservou no meio de tantas responsabilidades e de tão grandes animosidades de que foi alvo; mas também pela grandeza de alma, dado que considerava a mais importante das suas virtudes o facto de, detentor de tão grande poder, nunca ter cedido nem à inveja, nem à ira, nem ter tratado qualquer inimigo como irreconciliável».


Autor: António Maria Martins Melo
DM

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6 maio 2017