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Pagãos atrevimentos

1. Camões escreveu: «não faltarão cristãos atrevimentos nesta pequena Casa Lusitana» (Os Lusíadas, canto VII, estância 14). Séculos volvidos, a pequena Casa Lusitana converteu-se em palco de cristãos encolhimentos e de pagãos atrevimentos. Sei que não devo ser pessimista nem me é permitido exagerar, mas não sou tão ingénuo que não veja a realidade. E a realidade é esta: no nosso dia a dia o paganismo impôs-se, em muitos casos, ao cristianismo.   2. Lamento dizê-lo, mas estou persuadido da existência de cristãos que o são porque um dia foram batizados, mas que nem sempre assumem atitudes cristãs. Jesus Cristo deixou de ser o seu modelo, tendo cedido o lugar a um ideólogo populista ou a um indivíduo que por qualquer motivo anda na moda. A grande escola passou a ser a televisão, e esta converteu-se, em muitos casos, em catedral do paganismo e da sociedade de consumo, que lhe está associada. Muitos dos batizados dão a impressão de não terem o Evangelho por livro de cabeceira. De não conhecerem a Doutrina Social da Igreja. Vive-se um cristianismo adormecido enquanto se assiste a um paganismo cada vez mais ativo e influente.   3. Há ideólogos que pretendem confinar os cristãos ao espaço físico da Igreja. Mas o cristão que o é de facto não deixa de afirmar, sem sobranceria mas também sem medo, os princípios que defende e a verdade em que acredita. Atua como cristão onde quer que se encontre. Não se trata de vir para rua com bandeiras ou cartazes. Trata-se, isso sim, de o cristão agir como cristão em toda a parte e em todas as circunstâncias. Com naturalidade. Sem fazer alarde, mas sem falsa prudência. Sem impor a ninguém os seus princípios e convicções, mas usando o direito de os propor, respeitando aos outros a liberdade de os aceitarem ou não. Se há quem afirme publicamente o seu ateísmo ou agnosticismo porque é que não havemos de afirmar a nossa fé em Jesus Cristo e no Deus que nos revelou?   4. Ser cristão é ser diferente dos que não comungam da sua fé. E essa diferença deve manifestar-se em tudo: na forma como trabalhamos, na forma como nos relacionamos com os outros, na forma como vestimos, na linguagem que usamos, na gestão que fazemos do tempo e do dinheiro, nos divertimentos que escolhemos, nos ambientes que frequentamos, nos negócios em que nos metemos... Também se é cristão na forma como se assiste a um jogo de futebol e se analisam os deslizes do árbitro. Estou persuadido de que muitos dos que nos declaramos cristãos nem sempre agimos como tal. Parece que temos receio de não sermos como os outros.   5. Ao lado do retraimento de muitos cristãos surgiu o atrevimento de um conjunto de pessoas que, afirmando respeitar a liberdade dos outros, de facto recorrem a todos os processos para imporem as suas opiniões e os seus pontos de vista. Orgulham-se do seu paganismo e exibem comportamentos que o bom senso não aprovaria. Atuam como se tivessem o monopólio da verdade, da razão, da liberdade. Aproveitam todas as oportunidades para se afirmarem e ridicularizarem os que os não seguem. Chegam ao desplante de pretenderem decidir sobre quem deve ou não frequentar os Seminários da Igreja! Quantitativamente não são muitos, mas fazem muito ruído. Avançam enquanto outros se encolhem. Avançam porque outros se encolhem.   6. Não se trata de entrar em guerras. Esse não é o caminho. A tolerância e a compreensão devem ser normas a respeitar. Mas por todos. Pelos outros em relação a mim e por mim em relação aos outros. Os que não pensam como eu também têm o direito de existir, de pensar, de se exprimir. Devem ser tratados, em tudo, como cidadãos de corpo inteiro. É inaceitável que uma minoria atrevida pretenda silenciar os outros e impor os seus critérios. Que os cristãos se não deixem amordaçar.
Autor: Silva Araújo
DM

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30 novembro 2017