twitter

Semântica do Populismo

Por pressão do PCP, do BE e dos sindicatos, em especial o dos professores, o Governo incluiu na proposta de Orçamento de Estado (O.E.) para 2018 uma disposição – o artº 19º – que prevê o descongelamento das pensões e a contabilização do tempo de serviço congelado, deixando em aberto esta última questão para as carreiras especiais que, nos termos do n.º 16 da mesma norma, é relegada para o processo negocial em curso. Todavia, no texto deste número, era utilizada a frase “A expressão remuneratória de tempo de serviço nas carreiras, cargos ou categorias integradas em corpos especiais…” para definir o objecto negocial desse processo em curso, o que suscitou o desagrado dos sindicatos que propuseram ao governo a troca do “de” por um “do”. Apesar da controvérsia não passar efectivamente dum detalhe de troca de uma letra, para os sindicatos, desconfiados da grande cedência do executivo socialista na matéria em causa, era crucial a troca do “de” pelo “do”, não fosse o governo entender depois que a referência ao tempo de contagem de serviço era a um período de tempo a determinar pela via negocial e não ao tempo concreto – 9 anos e 4 meses – em que as progressões das carreiras estiveram congeladas. O governo acabou por aceder à reivindicação dos sindicatos e das esquerdas “por uma questão de clareza”, apresentando à última hora uma proposta de alteração que consagrava não só a dita mudança de letra, como autonomizava a questão das futuras negociações das carreiras em artigo próprio, para lhe dar mais relevo, alteração essa que, já anteontem, foi votada e aprovada no plenário. Como é evidente, esta questão que hoje aqui trago à colação não é apenas uma simples questão semântica, de mero detalhe: releva da demagogia e do populismo com que o governo tem gerido a matéria do descongelamento das carreiras, a reboque de bloquistas e comunistas e dos sindicatos que estes últimos controlam. Mas vamos aos factos. Foi o governo do Partido Socialista, presidido por José Sócrates – de que António Costa foi membro destacado –, que, em 2010, na proposta do O.E. para 2011, introduziu uma norma segundo a qual o tempo de serviço prestado não é contado para efeitos de promoção e progressão, em todas as carreiras, cargos e (ou) categorias da função pública, incluindo as integradas em corpos especiais. (Cf. nº 9, do artº 24º, da Lei do referido O.E. de 2011) Na letra e no espírito desta norma – que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2011 e que, por força de sucessivas transposições assumidas nos O.E. que se seguiram, incluindo os de 2016 e 2017, da autoria do actual governo –, é evidente que a vontade de quem a propôs e a votou foi que o tempo decorrido durante o decretado congelamento não contasse para o futuro. Afinal, só com uma medida tão drástica seria possível salvar o país da grave crise financeira em que estava mergulhado e canalizar os recursos disponíveis para o investimento e para as alterações estruturais essenciais para a imprescindível e urgente mudança de rumo da governação. Porém, com a folga orçamental resultante do último exercício, a aproximação de eleições legislativas (2019) e a pressão dos partidos de esquerda, cujos resultados nas recentes eleições autárquicas não lhes auguram nada de bom, havia que mudar de posição, dando a ideia que o PS nenhuma responsabilidade teve nos ditos congelamentos – isso foi coisa do governo do Passos… –, associando-se a “um tempo novo, de reposição dos justos direitos dos trabalhadores”, em que todo o período de congelamento de carreiras e progressões fosse contado para futuro. Mas isso, gradualmente, a começar em 2018 e a prolongar-se em 2019 e, porventura, em anos subsequentes, por forma a cativar o voto dos mais de setecentos mil funcionários públicos! Ora, foi justamente este cinismo e calculismo político, com toda a carga demagógica que lhe estão associados, que fizeram o PS e o seu líder navegar num mar de equívocos e de atitudes contraditórias e pouco claras. E que explicam que o Governo fosse obrigado (sem grande custo, diga-se…) a mudar uma simples letra duma expressão normativa para alimentar a hipocrisia e o populismo duma esquerda ansiosa pelo regresso ao regabofe que esteve na origem da crise financeira que ditou a intervenção da Troika.
Autor: António Brochado Pedras
DM

DM

24 novembro 2017