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Em memória de Aylan…

Já quase ninguém se lembra do pequeno Aylan, o menino sírio cujo corpo deu à costa numa praia turca, a 2 de setembro de 2015. Na semana que seguiu essa tragédia, as televisões nacionais intensificaram a cobertura noticiosa da então chamada “crise dos refugiados”, dedicando o Telejornal (RTP 1) e o Jornal das 8 (TVI), respectivamente, cerca de 15% e 10% do seu tempo de antena à chegada massiva de refugiados à Europa. Até então, falava-se mais ou menos episodicamente dessa multidão anónima em fuga, tratando quase sempre como meros números aqueles que pereciam na travessia.

Desta vez, a desgraça tinha nome próprio, um contexto familiar, um lugar de origem, um percurso conhecido, suscitando um luto mediático e uma mobilização transnacional. A imagem de Aylan, jazendo de bruços sobre a areia molhada – e depois nos braços de um agente da polícia turca – mobilizou as redes sociais do mundo inteiro, desencadeou declarações políticas em catadupa, deu origem a iniciativas solidárias. E, antes de mais, colocou a opinião pública internacional e seus dirigentes face às suas próprias contradições…

Desencadeada pela Primavera árabe, em Março de 2011, a Guerra da Síria provocou já cerca de 450 000 mortes e o êxodo de mais de cinco milhões de pessoas – quase um quarto da população –, sobretudo para os territórios limítrofes da Turquia (3 180 000), Líbano (1 000 000), Jordânia (655 000) e Iraque (245 000), mas também para o Egipto (120 000) e Norte de África (30 000).

De acordo com o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), entre Abril de 2011 e Julho de 2017, terão ainda sido apresentados 970 000 pedidos de asilo junto de 37 países europeus, 66% dos quais na Alemanha (507 000) e Suécia (113 000), 21% na Hungria (77 000), Áustria (49 000), Holanda (34 000), Dinamarca (20 000) e Bulgária (20 000) e 15% nos restantes Estados.

Durante esse período, Portugal terá registado 851 pedidos formulados por cidadãos sírios, ou seja 0,08% do número total das solicitações no Velho Continente. Se a estes acrescentarmos refugiados de outras nacionalidades, entre dezembro de 2015 e agosto de 2017, foram acolhidas cerca de 1 400 pessoas vindas de Grécia e Itália, das quais mais de metade terá, entretanto, já abandonado o país. Os números estão muito longe do que fora então anunciado, com alguma pompa e toda a circunstância.

Tenho seguido com alguma atenção o trabalho incansável de uma minha ex-professora de francês que, em Braga, com a ajuda de outros voluntários, se tem desdobrado em iniciativas para acolhimento de cidadãos sírios, no âmbito da Plataforma de Apoio aos Refugiados (PAR). Não é caso único, é verdade. Mas a esmagadora maioria de entre nós, tem saltado de causa em causa nas redes sociais sem nunca se ter verdadeiramente envolvido em nenhuma delas, quando muito com o envio de um donativo. Quando se trata de dar um pouco de si e do seu tempo, não sobra quase ninguém. Até que, sejam quais forem as circunstâncias, surja outro pequeno Aylan que galvanize, durantes uns dias, a opinião pública com a sua armada de cliques nas redes sociais e de declarações políticas inflamadas nos media… A nossa réstia de esperança é que ainda subsistem irredutíveis “ex-professoras de francês” a obrar longe dos holofotes na construção de uma sociedade mais justa e solidária…
Autor: Manuel Antunes da Cunha
DM

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18 novembro 2017