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INL: Quando o invisível pode mudar o mundo

INL: Quando o invisível pode mudar o mundo
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Publicado em 23 de outubro de 2017, às 14:01

No Laboratório Ibérico Internacional de Nanotecnologia (INL) trabalha-se com escalas ínfimas. O material manipulado é invisível a olho nu, mas os seus efeitos vão muito além do laboratório.

Pó: um pequeno gigante Na “sala limpa” do Laboratório Ibérico Internacional de Nanotecnologia (INL) o principal veículo de sujidade são as pessoas. Uma pequena partícula de pó pode comprometer qualquer rigorosa investigação. O cuidado e a limpeza são elevados a um nível que ultrapassa a simples minúcia. Aqui, vive-se num mundo à parte. Manobram-se aparelhos que desafiam os limites da imaginação. Trabalham-se materiais que o olho desarmado jamais detetaria. Chamam-se átomos e remetem-nos para uma escala “nano”. «O tamanho das coisas que estamos a trabalhar é um milhão de vezes mais pequeno que o milímetro. Se nós conseguíssemos ver a bandeira dos Estados Unidos colocada na Lua, tínhamos a mesma capacidade para ver um átomo na nossa mão», explica o investigador Pedro Salomé. Há quatro anos no INL, Pedro tem trabalhado com células solares: «Vim para o INL para incorporar nanotecnologia nas células solares». Uma melhoria no preço, na eficácia e tamanho dos painéis fotovoltaicos é o que motiva a incorporação da nanotecnologia nestes dispositivos. Pedro compara o trabalho que tem desenvolvido, de otimização das células solares, à construção de autoestradas. «Numa estrada nacional temos muitos problemas, há muitos carros que saem da sua faixa, que tentam ultrapassar em sítios que não podem, há muitos acidentes, e as autoestradas vieram revolucionar o transporte rodoviário, porque temos faixas muito bem definidas em que os carros só podem viajar numa direção e temos protetores de estrada, rails, que evitam acidentes. Eu estou a tentar criar isso nas células solares, criar autoestradas dentro das células solares existentes e reduzir o número de perdas que essas células já têm», explica o investigador. Se a tecnologia que está a desenvolver for implementada em grande escala irá permitir, diz, «um aumento de 10 a 20% sobre a energia que se vier a produzir». E é a nanotecnologia que o permite. No entanto, o facto de se trabalhar a uma escala tão pequena implica um rigor na manipulação dos materiais que apenas um laboratório altamente equipado pode proporcionar. A “sala limpa” é um dos locais no INL onde o controlo preciso de todo o meio envolvente permite que a nanofabricação aconteça. As partículas de pó são o maior inimigo dos investigadores. «Quando nós fazemos coisas tão pequeninas, qualquer partícula de pó é uma coisa gigantesca, uma montanha muito grande, e pode causar-nos problemas», explica Pedro Salomé. Para que qualquer vestígio de pó ou poluição fique lá fora, quem entra na “sala limpa” tem que cumprir uma série de procedimentos aos quais Pedro e os restantes investigadores já chamam de rotina. «É um processo que demora entre 5 a 15 minutos, e sair demora o mesmo tempo… Vir fazer alguma coisa à “sala limpa” exige uma disciplina muito grande», diz Pedro. Entrar na “sala limpa” implica passar por um balneário onde ficam os pertences pessoais. Se algum objeto tiver obrigatoriamente que entrar, terá que ser desinfetado. Há materiais a evitar. O papel, por exemplo, que «acumula muito pó», explica o investigador. Para a etapa seguinte entra-se na “parte suja” de uma sala. Um banco comprido separa-a da “parte limpa”, mais próxima do laboratório. Na «parte suja», à vista desarmada não se deteta qualquer sujidade, mas a presença de pessoas e materiais vindos da rua, portadores de partículas de pó, determina-lhe o nome. Aqui veste-se um equipamento especial: uma touca, uma proteção para a cabeça, uma rede para a boca e nariz, perneiras, proteções para os sapatos, um macacão e luvas. «Temos que vestir estes fatos que, para além de evitarem partículas, também previnem a eletricidade estática, porque alguns dos nossos dispositivos são sensíveis à eletricidade estática», explica Pedro. A passagem da “zona suja” para a “zona limpa” faz-se com a ajuda de um banco comprido, fronteira entre ambas. A proteção menos limpa nunca pisa a “zona limpa” e a proteção mais limpa nunca pisa a “zona suja”. Já na “parte limpa”, antes de entrar para o laboratório, há uma passagem onde uma corrente de ar percorre o corpo. O remate final para uma limpeza completa. Afinal, diz Pedro, «a principal fonte de sujidade somos nós». O laboratório é a porta de entrada para outro mundo. Condutas de ar no teto e no chão ventilam ar continuamente. Toda a gente veste de igual. Só os olhos se encontram despidos. «Nesta área está tudo a lutar contra os níveis de pureza que nós utilizamos», diz Pedro. O ar é purificado antes de entrar. A temperatura e a humidade são controladas, constantes e precisas. Uma variação de apenas um grau na temperatura ambiente é o suficiente para causar problemas e comprometer uma investigação. A “sala limpa” estende-se ao longo de um corredor. À esquerda, algumas janelas permitem o contacto visual com o mundo lá fora. À direita, várias portas conduzem às diferentes salas e zonas de trabalho. Por trás de todas as salas existe uma maquinaria complexa que garante as condições necessárias ao trabalho dos investigadores. Um quadro técnico de engenheiros encontra-se alerta para intervir 24horas por dia. Dentro da “sala limpa” existem quatro zonas diferentes com ventilação própria e níveis de pureza variáveis. «Nesta zona sente-se bastante ar a passar. Tem ainda mais filtros, é um nível de pureza dez vezes mais alto. Ali estão dois dos equipamentos mais caros do Instituto», vai indicando o investigador. Mesmo na “sala limpa”, os investigadores manipulam as amostras dentro de caixas para as proteger. «A maior parte dos nossos equipamentos está feita com câmaras de entrada, como, por exemplo, num submarino, e as amostras entram primeiro numa antecâmara», explica o investigador Pedro Salomé. Todos os cuidados são poucos, apesar da atmosfera controlada.   Olhar o “invisível” No piso inferior do INL, na zona mais isolada, estão os microscópios eletrónicos de transmissão e de varrimento. É a chamada zona de caracterização, que consiste na visualização e análise dos nanomateriais. No laboratório produz-se, aqui analisa-se. «O que nós queremos saber é como é que os materiais funcionam», explica o diretor do departamento de Microscopia Avançada, Imagem e Espetroscopia, Paulo Ferreira. Tratam-se de microscópios de alta precisão e sofisticação, alguns deles capazes de ampliações até 50 milhões de vezes. O isolamento destas máquinas é essencial, para que nenhuma vibração interfira com a imagem. No corredor avizinham-se várias salas com computadores e secretárias. Em cada uma, uma porta enorme, acobreada, guarda o acesso à zona onde se encontra o microscópio. A cor não vem por acaso: o material predominante é o cobre, para garantir o máximo isolamento possível. A parede é forrada com esponja acústica – todos os pormenores são relevantes quando se trata do isolamento sonoro. Qualquer som ou resquício de vibração pode comprometer a visualização dos nanomateriais. A máquina ocupa toda a sala, com um imenso entrelaçar de fios e aparelhos que a alimentam. Uma plataforma destacada do chão suporta o “monstro”. As escalas com que se trabalha são tão ínfimas que, diz Paulo Ferreira, «se as salas onde se encontram estas máquinas não estiverem bem preparadas poderá acontecer que um camião a um quilómetro de distância perturbe a observação do material». Para além disso, acrescenta, «qualquer tipo de ondas eletromagnéticas produzidas, por exemplo, por computadores, ou mesmo pela presença de uma pessoa na sala com a sua respiração, vai perturbar a observação» e isso põe em causa o elevado investimento. O custo destes aparelhos ronda, conta o responsável, os dois a cinco milhões de euros, devido ao «sistema ótico extremamente sofisticado». Só assim é possível visualizar os «elementos mais básicos», chamados átomos, que compõem os materiais, mas que nem os microscópios óticos permitem ver. O diretor do departamento de Microscopia Avançada, Imagem e Espetroscopia explica que todos os materiais que existem no planeta Terra são compostos por átomos, «que foram feitos nas estrelas». O carbono, o hidrogénio, o ouro ou a platina são alguns exemplos que enumera. «Basicamente, aquilo que nós fazemos neste departamento é olhar para estes materiais à estrutura atómica para perceber como é que funcionam macroscopicamente», diz. Os microscópios eletrónicos permitem verificar o tipo de átomos que compõem o material e como se arranjam, e assim perceber as propriedades mecânicas, elétricas e magnéticas do material e prever o seu comportamento. Pelos olhos destes investigadores tem passado uma grande variedade de materiais, como baterias de lítio, utilizadas em telemóveis, células combustíveis, que funcionam como energia alternativa na indústria automóvel, ou dispositivos para armazenamento de memória, exemplifica Paulo. Os investigadores do INL não são os únicos a utilizar estes microscópios. Investigadores de universidades ou de empresas podem também aceder às máquinas, num sistema de “open access” que o INL promove. Para além de otimizar o investimento, Paulo Ferreira considera que esta valência é de grande importância para a «criação de massa crítica, fundamental na área da ciência». Partículas ínfimas, efeitos gigantes O INL surgiu por iniciativa dos governos de Portugal e de Espanha, com o intuito de desenvolver um centro de «investigação e desenvolvimento tecnológico focado na área da nanotecnologia», explica a diretora do departamento de negócio e relações estratégicas, Paula Galvão. O Instituto tem privilegiado a investigação nas áreas da saúde, alimentar, ambiente e nanoeletrónica. «Processadores mais rápidos e mais pequenos, memórias mais pequenas e com capacidade de armazenamento maior, dispositivos mais leves e com características melhores em termos de capacidade de armazenamento e velocidade» são alguns exemplos da atual aplicação prática da nanotecnologia na indústria que Paula Galvão recorda. Na área da saúde, destaca, a nanotecnologia tem dado passos tão importantes como o desenvolvimento de fármacos capazes de atuar diretamente em células tumorais. A diretora do departamento de negócio e relações estratégicas revela também algumas inovações que a nanotecnologia tem proporcionado na área alimentar: embalagens com proprie- dades antimicrobianas, soluções capazes de detetar a autenticidade dos alimentos ou alimentos com características especiais que trazem benefícios pa- ra a saúde. No Instituto, o trabalho vai desde as atividades de investigação mais básicas até ao desenvolvimento do produto final, com a criação de dispositivos completos, em fase de pré-produção industrial. Paula Galvão dá o exemplo de uma plataforma que estão a desenvolver para detetar células tumorais em circulação, que passa não só pela investigação e desenvolvimento da parte da biologia e química, mas também da componente eletrónica e do dispositivo em si. No INL, diz, é possível desenvolver todo um produto “in house”. O investigador Pedro Salomé também sublinha este aspeto. Embora trabalhem com materiais “muito pequeninos”, as técnicas que utilizam são industriais. «Tentamos que tudo no INL seja semi-industrial. O que for desenvolvido aqui, temos a certeza que podemos fazer o up-scaling em indústria», explica. Este trabalho implica a presença de equipas multidisciplinares, com físicos, biólogos, químicos, engenheiros de eletrónica e de materiais, entre outros, que trabalham em estreita colaboração. «Como a nanotecnologia não é uma ciência física por si, não é uma Química, uma Física ou uma Biologia, mas sim um conjunto de conhecimentos, é sempre preciso trabalharmos em equipas multidisciplinares», acrescenta. Neste momento há cerca de 200 pessoas a trabalhar no Laboratório, entre as quais, esclarece a técnica de recursos humanos Patrícia Oliveira, «diversos investigadores ao abrigo de protocolos de colaboração com universidades de todo o mundo, com a indústria ou outros centros de investigação». Desde alunos de mestrado a investigadores seniores com uma carreira consolidada, passando por alunos de doutoramento, o perfil dos trabalhadores é variável, assim como o país de origem de cada um. O ambiente é de «muita diversidade e multiculturalismo», diz Patrícia. No INL cruzam-se, neste momento, cerca de 25 nacionalidades diferentes, com colaboradores oriundos dos cinco continentes. A comunicação entre colegas faz-se em inglês, sejam eles estrangeiros ou portugueses. «Mesmo entre portugueses caímos no ridículo de ter reuniões de trabalho em inglês e de trocar e-mails de trabalho em inglês. É uma questão de disciplina e ajuda as outras pessoas a sentirem-se acolhidas no Instituto», confessa PedroSalomé. Para além dos contratos privados com a indústria, o INL conta com financiamento de Portugal e Espanha – os dois Estados-membros do INL – e financiamento europeu. A missão do Instituto, explica Paula Galvão, passa precisamente por «desenvolver investigação para a indústria» e assim trazer benefícios para a sociedade, ajudar a economia regional e projetar a região a nível internacional. Pedro confirma: «Temos uma grande colaboração com empresas. As empresas podem vir perguntar-nos: “Nós temos este problema, vocês conseguem resolver?”. Mas também podem dizer: “Gostávamos de saber se este tipo e produção é possível”». E os investigadores respondem, no laboratório.
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