twitter

Catalunha, pressão sobre a Europa Unida

Na Península Ibérica, os reinos de Leão, Castela, Navarra, e Aragão e ainda o condado de Barcelona virão a constituir a atual Espanha, amputada a oeste, desde o séc. XII, pelo reino de Portugal. Mais tarde, o nacionalismo das elites catalãs favorecerá o sucesso da nova rebelião independentista portuguesa de dezembro de 1640, protagonizada por uma parte da nobreza lusa. Com efeito, a necessidade de Madrid desviar recursos militares para sufocar uma outra revolta secessionista em curso na Catalunha, desde junho desse mesmo ano de 1640, livrou os rebeldes portugueses da fúria plena das forças espanholas. Quando, em 1648, a revolta catalã é esmagada por Madrid, as nossas praças-fortes, na fronteira, e o exército estão já melhor preparados para resistir à poderosa máquina militar espanhola. Ademais, no plano diplomático, no transcurso destes oito anos, Portugal lograra forjar coniventes alianças com potências europeias rivais de Espanha (aparentemente, e só por isto, o autor destas linhas, sendo português, deveria nutrir simpatia pelo independentismo catalão, todavia a realidade afigura-se mais complexa e potencialmente perigosa, como procurarei fundamentar). A Catalunha ainda tentará a autonomia no início do século XVIII, no contexto da guerra de secessão de Espanha, mas falhará uma vez mais. Do desfecho das guerras napoleónicas e de outras contendas militares posteriores, emergirão novos países na Europa (desde a Bélgica, a Holanda, a Grécia ou as modernas Itália e Alemanha, ainda no século XIX, até outros mais recentes, saídos do estertor da guerra fria, por 1990). No entretanto, como todos os eleitores sabem, duas “grandes guerras civis europeias” haviam-se transmutado em terríveis conflitos mundiais (1914-18 e 1939-45). O sucesso global da União Europeia, um visionário e bem-sucedido projeto liberal capitalista, até agora frenador de guerras intra-europeias, hoje incomoda seriamente o colosso do leste, ou seja, a Rússia, assim como não desperta simpatias na “America First” do senhor Trump. Nos anos recentes, a “parceria” dos países da União Europeia viu-se ameaçada pela quase omnipotência alemã e agora, não menos grave, enfrenta o desafio dos nacionalismos separatistas. É forçoso reconhecer que nenhum povo pode ser definitivamente aprisionado num Estado, numa entidade política, que massivamente rejeite. Nesta perspetiva, uma Espanha democrática não pode negar aos catalães o eventual direito à independência. Porém, é patente que a proclamação da independência da Catalunha, defendida pela Generalitat de Barcelona, não assenta num inequívoco mandato popular. A recente consulta referendária aos catalães sobre esta questão não apresenta validade, ou credibilidade, quer pela escassa percentagem de votantes, quer pelas condições em que a mesma decorreu, ainda que a disrupção provocada pela polícia enviada por Madrid possa ser apontada como causa decisiva para as anomalias observadas. A inabilidade, a intransigência plena do atual Governo de Rajoy incrementou o separatismo entre muitos catalães que estivessem indecisos no seu posicionamento, tal como a recusa das mais altas instâncias judiciais espanholas em validar avanços na autonomia jurídico-política da Catalunha o vinha já alimentando. Poderá ser tarde, ver-se-á. Mas uma Espanha federal poderia ser o elemento agregador de um país com várias nações. Na Europa não faltam exemplos, desde a Alemanha, dentro da UE, à sempre independentíssima Suíça. A consumar-se, uma Catalunha independente alimentará, entre outros, o separatismo larvar, ou até algo vigoroso, em Itália (a Norte), na Bélgica e mesmo na Alemanha (Baviera) ou em França (Córsega), para lá, obviamente, dos casos do país Basco e da Galiza, na própria Espanha. Não esquecendo o fracasso do recente Brexit, uma União Europeia marcada pela sucessiva desvinculação de parcelas territoriais dos estados membros irradiará uma imagem de fragilidade, que pode muito bem desembocar na velha Europa de Nações, amiga dos “jogos de guerra” que serviram para alimentar apetites imperiais à custa do bem-estar das populações. Ademais, uma Europa com uma profusão de pequenas nações plenamente independentes perderá protagonismo mundial e abrirá espaço para que uma ou duas relevantes potências europeias restantes hegemonize egoistamente a geopolítica do velho continente. Aguardemos a evolução dos acontecimentos, não ignorando que o independentismo catalão, mais aceso entre a extrema-direita e a extrema-esquerda do espetro político local (e com fortes apoios de idêntico teor noutros países europeus), por regra pouco recetivas à ideia de uma Europa Unida, poderá, entretanto, vir a revelar-se como um lance letal para a atual União Europeia. * Doutor em História Contemporânea pela FLUC
Autor: Amadeu Sousa
DM

DM

10 outubro 2017