Num dos serões televisivos da semana, foi possível assistir à história de um criminoso, que vindo de um país de Leste, chegou aos Estados Unidos da América, com um comparsa, que filmava todas as malfeitorias que iam cometendo.
Em determinado momento, há um jornalista, um daqueles voyeuristas que julgam que tudo vale para triunfar na guerra das audiências, que se presta a comprar e a mostrar, apesar de insistentes e dramáticos pedidos em contrário, as imagens cruéis do assassinato do “bom” da história. No fim do filme, um dos colegas do assassinado resolveu esmurrar o jornalista.
No cinema, não são invulgares estas cenas de jornalistas pérfidos que, para oportuna catarse dos telespectadores, são agredidos. Basta recordar os populares filmes protagonizados por Bruce Willis do género Assalto ao Arranha-Céus ou Assalto ao Aeroporto para se perceber que, colocar um jornalista cretino a protagonizar uma reviravolta na narrativa e, depois, a sofrer literalmente na pele as consequências disso, não deixa de ser uma receita de sucesso garantido.
Há quem suspeite que o aparecimento cinematográfico de jornalistas que se comportam de um modo absolutamente detestável não seja obra do acaso. A acreditar nos que assim julgam, o que se pretenderia, através de tais personagens antipáticas para todos os espectadores, seria nada mais nada menos do que denegrir a imagem do jornalismo em geral.
É óbvio que o jornalismo não tem como vedar a entrada a oportunistas, a corruptos e a idiotas úteis que apenas contribuem para desprestigiar um ofício tão importante. Mas é verdade também que, a par dos péssimos exemplos, alguns bem consabidos, que vêm de dentro da profissão, não falta quem, fora, saiba muito bem o quanto pode lucrar com o desprestígio de um trabalho que, evidentemente, é indispensável para uma respiração saudável das sociedades democráticas.
Com más ou com boas intenções, a desconfiança em relação ao trabalho jornalístico instalou-se, coisa que apenas os mangas-de-alpaca da profissão não compreendem, razão, aliás, por que nunca gostam de ser escrutinados relativamente ao que escrevem. Em A Fabricação da Informação (Porto: Campo das Letras, 2002), um breve e interessantíssimo ensaio sobre a “ideologia da comunicação”, Florence Aubenas, a jornalista do diário francês “Libération” que está raptada no Iraque, e Miguel Benasayag, filósofo e psicanalista, observam que durante muito tempo se acreditou que uma coisa era verdadeira porque tinha vindo escrita nos jornais. “Hoje esta crença popular inverteu-se.
De palavras sagradas, as notícias divulgadas pela imprensa tornaram-se, aos olhos dos que a lêem, muito provavelmente falsas ou, em qualquer dos casos, suspeitas”. E “quando vemos os telejornais, a primeira questão que nos surge é: ‘De que é que estarão eles a tentar convencer-nos, desta vez?’ Não há actualmente análise de taxas de leitura ou de audiências que não inclua, nas suas variáveis, esta desconfiança. Que rádio prefere? E qual considera mais fiável?”.
Florence Aubenas e Miguel Benasayag sublinham um aspecto fundamental: “Todos sabem que os jornais reflectem menos a realidade do que a representação que criaram”. Claro que nem “todos sabem” e muitos dos que o sabem preferem agir como se o não soubessem. A par do diagnóstico, os autores de A Fabricação da Informação lançam um desafio: “Criar uma outra imprensa tornou-se, nos dias de hoje, uma tarefa de todos, dos que a fazem, dos que nela aparecem, dos que a lêem”. O facto de nem todos compreenderem a premência da tarefa não significa que ele seja menos urgente.
Alguns tópicos do jornalismo que é necessário são referidos pela investigadora catalã Montserrat Quesada, que Cristina Ponte cita em Leitura das Notícias. Contributos para uma análise do discurso jornalístico (Lisboa: Livros Horizonte, 2004). Diz ela que se impõe que os jornalistas se encarreguem de: “1) procurar descobrir informação inédita sobre temas de relevância social; 2) denunciar, de forma clara e com base na verificação documental, factos ou situações ilegais ou carentes de regulação que vão contra o interesse público geral; 3) verificar todo o processo de investigação por um sistema de contraste duplo dos dados, por via documental e recurso a fontes independentes, a fim de reduzir a zero a margem de erro no publicado; 4) romper o silêncio das fontes oficiais implicadas nos temas, forçando-as a responder pelas suas actuações perante a opinião pública”. Um vasto trabalho. Mas imprescindível.